Temos o prazer de publicar o texto de Isaura Tupiniquim sobre o espetáculo Nó.
Isaura é artista e mestranda do Programa de Pós-Graduaçao em Dança da UFBA.
Segue o texto:
Nó. Uma dança em imediação remota
Mostrando-se como “realidade
virtual” isto é, o ambiente onde ocorre a interação entre usuário e sistema
computacional, criando realidades temporais que provocam a sensação de
proximidade de uma pessoa em outro espaço, bem como, para criar realidades fictícias
próximas à realidade, o trabalho de dança Nó concebido por Olga
Lamas e Giltanei Amorim reverbera complexidade de sentidos ao produzir
visualidades superpostas de imagem, corpo, som, objetos, espacialidade,
representação, deslocamentos físicos / perceptivos e jogo.
A criação desse trabalho que tinha
como objetivo construir-se numa mesma cidade e na relação com outros artistas
(que seriam propositores temporários) foi surpreendido pela temporalidade
sistêmica burocrática dos editais do estado e teve sua verba atrasada por um
ano. Mediante todas as implicações que podem ocorrer num processo criativo sem
determinadas garantias, o projeto foi sendo adiado, o que implicou mudanças
radicais para os procedimentos criativos de Nó, já que ambos os artistas, priorizando
outras atividades em curso tiveram deslocamentos geográficos distintos num
mesmo período, Olga viajou para Inglaterra com uma peça durante três meses, e
Gil foi para Espanha num intercâmbio artístico acadêmico. Essa condição propôs
ao trabalho reajustes quantas estratégias de comunicação, criação e produção,
ou seja, tudo seria mediado pela virtualidade e com ela todos os acordos
necessários para realização de Nó.
Assim, os parâmetros que
configuraram o trabalho eram como um mergulho nas propriedades tecnológicas
desse tipo de aparelho, a comunicação via web, com seus delays, atravessamentos
e simultaneidades de informações, deram-se como Nós de coerência no trabalho na
medida em que formavam conexões entre ação e imagem. Os dançarinos estavam separados
por uma tela que funcionava como suporte do corpo, mediação imagética da
relação/fusão dos dois corpos, e que era o divisor dos corpos “reais” e ao
mesmo tempo lugar comum para o encontro destes em forma de imagem (imagem 1), em cada lado oposto a tela o som soava simultâneo em
tempos distintos, produzindo também a sensação de aproximação e distanciamento.
Imagem 1
Essa tensão entre virtual “real” é também o campo de
diluição tempo espaço do que possa ser ficção “realidade”, é por isso que as
propostas “Fake” funcionam tão bem em Nó. O que acontece é que a possibilidade
efetiva de significância se dava basicamente nessa fusão de corpos virtuais,
era quase impossível tirar os olhos da tela, o que não quer dizer que o “corpo
real”, (como chamar aquilo que não é virtual?) não tivesse potencialidade, este
era constantemente acessado entre desvios, aproximações ou quando em qualidades
um tanto dramáticas como no caso da “figura mascarada” (imagem 2).
Imagem 2
Os “corpos reais” existiam como o
campo de tensão daquelas proposições, interessando mais ainda quando de um dos
lados do espaço acessava a fusão de dois e de “um terceiro” em consonância, ou
ainda quando a magia da imagem como dispositivo não permitia deixar-se desviar
da condição de render-se apenas a ela já que ali, no terceiro, uma boca engole
um corpo (imagem
3), e não tem como negar, ela está lá, se
debatendo em sua garganta negra, ou quando um bonequinho manipulado manipula o
gesto do outro pela imagem, uma imagem imprecisa nas definições e fundida numa
transparência onde o terceiro elemento pode apresentar-se como único.
Imagem 3
Esse olho da câmera que não é só a
mediação, mas, chamaria de campo de tradução, consigna um rendimento dos corpos
ao jogo. Um jogo que “transcriava” pela fusão, comunicava pelas conexões,
ambientava por imagem corpo. Assim, ver esse trabalho foi uma espécie de
epifania* virtual, a tecnologia utilizada de maneira simples e
complexa, sem grandes aparatos eletrônicos é que considero a grande sacada de
NÓ. Olga e Gil configuraram um esquema de relações inerentes ao “supra lugar”
do cyber space, em que os movimentos vão montando aspectos reais-ficcionais,
onde a seriedade expressa nos rostos logo se dilui, num riso, numa “careta”, no
fim é como se eu enquanto público estivesse em uma das janelas da conversa
online, observando de dentro da tela pra fora, de fora da tela para dentro.
Nó potencializa a sensação de
pertencimento na emergência de formas e volumes na telepresença,
o que torna um diferencial da maioria dos trabalhos de dança com novas
tecnologias que já presenciei, os quais apresentam certa frigidez quando o
distanciamento se sobrepõe a capacidade de conexão que essas tecnologias
possibilitam. Nó me manteve em nós plugados, instalados, conectados de sentidos
criativos e visuais.
“essa
superexposição atrai nossa atenção na medida em que define a imagem do mundo
sem antípodas, sem faces ocultas, onde a opacidade não é nada além de um
“interlúdio” passageiro”.
Paul
Virilio
* Para citar o companheiro Washington Drummond doutor
em urbanismo, quando num seminário público sobre Arte e Cidade disse que teve
uma epifania urbana ao se deparar com uma pichação num vidro da estação da lapa
apagado no dia seguinte.
Obs: Esse texto dá início a um artigo que está sendo
construído em parceria com Ana Sheldon, também mestranda em dança no PPGD – UFBA.
Por Isaura Tupiniquim artista da dança. Mestranda pelo Programa de Pós
Graduação em Dança na Universidade Federal da Bahia, e licenciada em dança na
mesma instituição.
Abril de 2012